sexta-feira, 1 de março de 2013

Boneco Empalhado


Você pode vê-lo? Aquele ponto vermelho alto no céu à noite? É um prenúncio da destruição. Não há muito neste mundo louco em que se possa confiar. Mas se eu estou certo de uma coisa, é que aquele ponto rubro está direcionado para mim.

Eu sou um emissário da dor. Eu sobrevivi inúmeras batalhas, vi gerações virarem em pó e assisti reis poderosos se tornarem história. Fui torturado e amaldiçoado... mas ainda assim sobrevivi. Eu tenho experimentado coisas que fariam a maioria cair de joelhos chorando em desespero. Sim, eu tenho sofrido.

Não muito tempo atrás, ocorreu-me uma revelação. Eu estava de joelhos na lama ensanguentada de um campo de batalha chuvoso. Por horas, os homens e os animais tinham lutado uns contra os outros em um combate furioso. Um trovão rugiu, quase abafando os gritos de dor e fúria. De repente, eu estava sobrecarregado com uma enorme sensação de injustiça. Se eu tivesse uma boca, eu teria gritado para o céu: "Absurdo! É tudo em vão?"

Nesse instante, uma lâmina de ouro perfurou minha barriga. Olhando para a espada dourada na minha garganta, fui atingido por um momento de clareza em um mundo insano. De repente, eu tinha que saber o que foi que eu fiz para sofrer dessa maneira.

Depois que me arrastei para um lugar mais alto, eu parti em uma busca de respostas. Procurei grandes magos em academias ilustres de aprendizagem. Implorei monges em suas torres para compartilharem o seu conhecimento oculto. Eu caí aos pés de filósofos debatendo os fundamentos da própria vida. Nenhum deles tinha respostas para um boneco empalhado no meio de uma crise existencial... apenas mais e mais perguntas, inevitavelmente, além de tentativas de se aproveitarem de mim para suas ambições pessoais.

Por um tempo, eu vagava pelas estradas em busca de um propósito. A visão de uma família camponesa feliz através de uma janela me fez cair em desespero. Eu estava sozinho no mundo? Sim, para onde quer que eu olhe existem outras pessoas, mas às vezes parece que ninguém mais pode se relacionar comigo. É como se uma barreira invisível me impedisse de realmente me conectar com qualquer outra pessoa. A dor está sempre presente. No final, alguém sempre se machuca. E eu sei que sou um inferno para se conviver, pois eu tenho uma consciência extremamente culpada.

Alguns meses atrás, eu fui seqüestrado por bandidos e vendido para um fabricante de brinquedos malvado. Ele tinha um urso de pelúcia que estava possuído pelo espírito de um homem assassinado. Finalmente! Eu acreditava que estava entre a minha própria espécie e não mais relegado aos caprichos punitivos de algum mago insano distante. Mas, infelizmente, o urso de pelúcia foi incinerado em sua primeira tentativa de conversar com os moradores. Os aldeões prenderam o fabricante de brinquedos e eu estava novamente abandonada nas ruas, largada aos meus próprios conhecimentos desgastados.

Os corvos zombaram de mim à medida que eu retomava minha trilha solitária novamente. Você chega a uma certa idade e se pergunta: "eu sou mais do que a soma das minhas partes?" Certamente eu tenho uma essência além da serragem e do algodão em meu interior. Com tanto tormento e sofrimento, será que não estou destinado a algo maior?

Logo, o trovejar dos cascos galopantes fez com que o chão tremesse. Uma caravana de nômades surgiu com suas bandeiras esfarrapadas. Eram os últimos remanescentes de um reino tomado pelas mãos dos inimigos. Eu fui levado por um deles e entregue para um ancião que era o xamã da tribo. A raiva tomou conta de mim. Se eu tivesse um punho, eu teria desferido um soco! Eu não tenho o livre arbítrio? No entanto, este rapto acabou se mostrando frutífero nas minhas investigações filosóficas.

Hoje, eu sou o seguidor de um xamã nômade poderoso. Ele é mais um concorrente na disputa épica por poder que se desenrola ao longo das épocas e fronteiras mudanas. Nesta noite, nós estamos envolvidos em uma batalha contra uma legião de cavaleiros de um famoso cruzado. Posso vê-lo ao longe. Ele tem um elmo prateado reluzente. No entanto, mesmo em toda a sua glória, ele é alheio ao rubro ponto celeste que está crescendo a cada segundo.

A vida marcha sempre para a frente e eu perambulo numa estrada sem fim. Apesar destar acontecendo uma grande batalha em torno de mim, sempre tenho um momento para parar e refletir. Se eu tivesse uma coluna, gostaria de levantar a minha cabeça em direção ao sinal da destruição. Meu destino é uma cilada vingativa e a aceitação é o caminho de menor resistência. Afinal, eu sei o que está se aproximando sobre a cabeça de todos nós e, em poucos segundos, a batalha vai terminar. Menos para mim.

Porque hoje é apenas mais um dia... e aquele é apenas mais um meteoro... e até agora nenhuma explicação do sentido da vida.

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